sábado, 15 de novembro de 2014

ANTÔNIO SALES

Biografia (l868-1940)


Mais conhecido pelo seu romance regionalista Aves de Arribação, de 1914, Antônio Sales foi também historiador literário, poeta e idealizou e projetou, nacionalmente, a Padaria Espiritual, da qual era o seu padeiro-mor.

Somente a Padaria Espiritual (1892-1898) daria um capítulo à parte e de relevo na biografia de Antônio Sales, pois foi tal agremiação, com o seu jornal/revista O Pão (que morreu de "cachexia pecuniária"; para não fugir à regra, ontem, hoje, amanhã) um dos empreendimentos mais originais do Ceará ou do inteiro Brasil.

O poeta Antônio Sales está naquela encruzilhada problemática, estética e socialmente, que marcou o fim de um século e o começo do outro, ou seja, no Brasil, na metrópole e na província, o Romantismo ainda modelava um Parnasianismo algo original: o soneto imperava como forma eletiva, mas era o sentimento romântico que preponderava por sobre um tipo de poema que a Escola de Bilac repudiava.

Entre os poetas da época, de feição romântico-parnasiana, como Alfredo Castro, Cruz Filho, Júlio Maciel, Carlos Gondim, Otacílio de Azevedo, é curioso notar que alguns estudiosos, comumente, estavam colocando alguns deste poetas na trilha do Pré-Modernismo, como é o caso de Cruz Filho e Américo Facó, na indicação de Fernando Góes.

O certo é que a amostragem de sua poesia é o melhor caminho para o leitor aquilitar de suas reais tendências, ou não precisará disso para apreciar alguns momentos de beleza e emotividade, como no caso está o poeta Antônio Sales, que publicou a sua primeira coletânea, Versos Diversos, em 1890, e Trovas do Norte, de 1895. Poesias, de 1902, reúne poemas dos livros anteriores, com algumas modificações. Minha Terra, considerado a sua obra-prima, é de 1919. A Obra poética de Antônio Sales foi reunida em 1968, com o título referido.

Antônio Sales nasceu em Parazinho, município de Paracuru, no dia 13 de junho de 1868. Estudou as primeiras letras na terra natal e na cidade de Soure (Caucaia), mas teve que parar, para enfrentar a dura vida do comércio, em Fortaleza, quando apenas tinha 14 anos de idade. Pai cego, família pobre, o poeta passou oito anos nesse trabalho, mas em 1888 conseguiu a nomeação para um cargo da Intendência de Socorros Públicos de Fortaleza.

Entrando para a política, alcançou importantes cargos, ao lado de sua atividade jornalística e literária, o que deu na Padaria Espiritual. Irrequieto, insatisfeito, Antônio Sales parte para o Rio de janeiro (1897) e vai trabalhar no Tesouro Nacional e no Correio da Manhã, recém-fundado. Participou de rodas intelectuais no Rio e chegou a conviver com os fundadores da Academia Brasileira de Letras, mas não quis candidatar-se a uma cadeira.

Em 1920 está de volta ao Ceará, onde chega bafejado pelo sucesso do lançamento de Minha Terra. Dois anos depois contribui para a reorganização da Academia Cearense de Letras. Morava em Jacarecanga, em casa modesta, onde morre no dia 14 de novembro de 1940.

Fonte: http://www.jornaldepoesia.jor.br/biasale.html



O CEARÁ NA POESIA DE ANTÔNIO SALES

ALBA VALDEZ


A poesia de Antônio Sales desperta uma emoção de beleza, a beleza sempre nova do espírito embebido em alta visão.
Na poesia de Antônio Sales, quiçá em toda a sua obra de escritor, essa alta visão é a terra do berço, que ele enalteceu, como um criador de ritmos dominadores.
É uma forma visível da sua inspiração, da sua arte vivaz, este Ceará imprevisto, cambiante, que encontra no grande sofrimento a grande força de resistir.
Houve tempo em que o poeta viveu longe do céu cearense e, então, escreveu Minha Terra. Livro de subjetivismo adorável, de ressonâncias duradouras. Na continuidade das páginas antológicas, Ofertório é o poema inicial.
Quanta vibração de cor, de som, de luz, nessas estrofes de mármore e ouro!

OFERTÓRIO


Oh, Minha Terra!
Oh,· minha grande Mãe de areia e argila,
Que um puro céu refletes na pupila;
Mãe dolorosa, a quem às vezes
O vento e o sol declaram guerra
Durante longos, longos meses,
Ceifando vidas e fechando lares,
Matando a fauna, aniquilando a flora,
Reduzindo a desertos tumulares
As estâncias ubérrimas de outrora;

Eu, que sempre te amei e mais te amando
Quando, na terra alheia,
Com saudades de ti andei chorando
E meus prantos dispersos,
Caídos sobre a areia

Da gleba estranha, transformando em versos;
Oh! Minha Terra, de que sou apenas
Uma frágil partícula, animada
Pelo sopro de Deus, das mais pequenas,
Mas brilhando com a luz de ti jorrada,
De ti, Terra da Luz, que em luz te abrasas,
Como a Fênix da lenda,
E alfim surges das cinzas, estupenda
De força e graça; abrindo novas asas;

Oh! Minha Terra,
Que és bela como-quer que te apresentes
- Praia, sertão, planície, vale ou serra -
A despeito dos fados inclementes,
Com teus tão puros ares,
Com teus céus tão formosos,
Com teus vírides mares,
Com teus bosques umbrosos,
Com teus filhos ousados, diligentes,
Com tuas filhas belas, corajosas,
Honestas e fecundas,
Gente estóica, medrada aos sóis ardentes,
Almas cheias de arrojos e ternuras,
Destemidas, jucundas,
E no crisol da dor feitas mais puras,
- Cardos que o amor faz rebentar em rosas;

Oh, Minha Terra, cuja mente clara
Do pensamento altas belezas cria,
Na exuberância eugênica de seara
Que em messes de ouro irrompe cada dia;
Terra de Luz, não só por que te doura.
Eternamente um sol nunca obumbrado,
Mas também por que a luz imorredoura
Do teu pujante cérebro povoado
De fúlgidas idéias,
Lembra um vulcão eternamente em chama,
Que, como estrofes soltas de epopéias,
Lavas na concha azul do céu derrama,
E, em novos sóis do espírito mudadas,
Lá ficam refulgindo
Como flores do gênio transplantadas
Para o infindo vergel do tempo infindo;

Oh, Minha Terra, que do augusto templo
Da liberdade és fúlgida, coluna,·
E deste sempre o exemplo
Que teu nome de glórias afortuna;
Tu, que sabes partir grilhões infames
E castigar odiosas tiranias,
Cujos pérfidos liames
Despedaças em cóleras bravias,
Pois tens no peito um ninho de condores
Que só podem viver no livre espaço
Das eminências, onde os esplendores
Do sol, que bate os alcantis ingentes,
Lhes forjam bicos de ouro e garras de aço
Para· o extermínio das serpentes;

Oh, Minha Terra!
Ante o teu claro vulto,
Que para a prece os lábios meus descerra,
Na contrição de um culto,
Fremente de emoção, vergada a fronte,
Eu te ofereço nesta pobre taça
De uma folha colhida ao pé da fonte
- O vaso que melhor a água prateia -
Todos os quentes e saudosos prantos
Que, nos momentos de esperança escassa
De te rever, verti na terra alheia.
Recebe esta oferenda de meus cantos,
E faze deles pequenina gema
Que junte um ponto luminoso aos brilhos
Desse régio diadema
Que teus ilustres filhos
Te teceram com o louro do talento
E a oliveira do amor, para que a História,
Num reto julgamento,
Nunca te negue o teu quinhão de glória.

Fonte: Revista da Academia Cearense de Letras